quarta-feira, 16 de julho de 2014

PARADOXO




Um tema muito fascinante. Me entusiasmo bastante ao refletir sobre ele. Trata-se simplesmente da chave de tudo! Compreender a natureza do paradoxo. Veja, eu disse a natureza e não o paradoxo em si. Há uma imensa diferença!

A princípio nascemos livres. Quando digo livres, falo do pensamento, dos conceitos e ideias. Tudo é possível, tudo é cabível. Aos poucos vamos entrando no tal "senso comum", que nos limita, uma vez que impõe regras, juntamente com o medo de transpor. 

Todos os pontos de vista, como o próprio termo já diz, são só a vista de um ponto. Limitantes por si só. A opinião única, a unanimidade, a imposição (ainda que algumas vezes necessária, dependendo do caso) são burras, porque vislumbram uma pequena parcela do todo. Por isso que sempre vamos ver novas formas de fazer coisas bem antigas. Nem sempre inovar quer dizer inventar algo "novo" e sim tornar novo o "velho" e o corriqueiro, através de novas formas de olhar e de fazer. Isso também é um paradoxo, um dos grandes aliás.


No Zen budismo vemos muito a utilização do paradoxo em frases, como ferramenta para desmontar o arcabouço de defesa e crítica da mente, para então abri-la ao novo e se possível a infinitos pontos de vista, possibilitando a tão desejada expansão e liberdade de SER (iluminação). Nele chamam-no de "Koan". Descrevo alguns a seguir: 

- "Batendo as duas mãos uma na outra, temos um som; qual é o som de uma mão somente?"

- "Mal comeces a pensar se "tem" ou "não tem" és um homem morto.

- "Aquele que passa a porta sem porta marchará de mãos dadas com todos os Patriarcas, olhando com o mesmo olho e ouvindo com o mesmo ouvido".

- "Qual é o som do silêncio?"

- "Suba uma escada com 99 degraus até o último degrau. Agora suba mais um degrau..."

- "Qual era o seu rosto original - aquele que tinha antes de nascer?"

- "Um cão tem uma natureza de Buda? Se você disser que sim, eu vou bater em você. Se você disser não, eu vou bater em você. Vá e descubra a resposta. E, qualquer que seja a sua resposta, eu vou bater em você!"

- Nan-In, um Mestre japonês durante a Era Meiji, recebeu um professor universitário, que veio lhe inquirir sobre Zen. Este iniciou um longo discurso intelectual sobre suas dúvidas. Nan-In, enquanto isso, servia o chá. Ele encheu completamente a xícara de seu visitante, e continuou a enchê-la, derramando chá pela borda.
O professor, vendo o excesso se derramando, não pode mais se conter e disse:
— Está muito cheia! Não cabe mais chá!
Então, o Mestre Nan-in disse: — Como esta xícara, você está cheio de suas próprias opiniões e especulações. Como eu posso lhe demonstrar o Zen sem que você primeiro esvazie a sua xícara?

Só podemos nos abrir de fato, só podemos viver de verdade quando o paradoxo for habilmente utilizado por nós, neutralizando assim os efeitos dos pensamentos e crenças "descontrolados" ou fixados em um ou limitados pontos de vista e que parecem agir em nós por conta própria. Veja, não estou dizendo que "tem que" parar ou controlar os pensamentos e nem que eles são ruins ou inapropriados. 

Eles servem de um ponto de onde se cria um paradoxo. Sem eles não haveriam paradoxos e nem a possibilidade de lidar com a dualidade para a criação que advém do paradoxo. Esqueça essa mentalidade de combate e enfrentamento. Vamos direto para a inteligência, que é a sensibilidade e a percepção se expressando.

Esses Koans são ferramentas de paradoxo a nível da mente, do pensamento, da filosofia. Mas temos paradoxos nos sentimentos e emoções e nas ações também! E aprender a manejá-los é de suma importância para compreender os mecanismos da vida. 

E o fato de compreendê-los, não significa que vai poder sair falando deles por aí. Tem compreensões que são inefáveis e muito próprias de um determinado contexto e jamais poderão se aplicar a outros e nem a outras pessoas. Cada um vai achar o seu modo de fazer, ainda que seja tudo um grande paradoxo e os caminhos pareçam semelhantes. 

Esse aliás é outro grande paradoxo: Olhamos e achamos que tudo é igual, mas de fato, há imensas diferenças de uma vida para outra. Até mesmo em irmãos criados juntos.



Como vamos manejar os paradoxos no dia a dia? Sugestões eu tenho, soluções e fórmulas, nunca!

Se eu não posso propor nada que seja uma solução viável, então, o que propor? E pra que? Se não tem utilidade - mas eu sei que tem - pra que serve? Eis mais um belo paradoxo. Aliás, este blog é um grande paradoxo!

A chave está em não se prender nos extremos. Nem em tentar "decifrar" o paradoxo. A função dele é justamente dar um nó na mente, fazendo-a parar de interferir no fluxo daquilo que seria o seu "natural" modo de pensar e acreditar nas coisas. Sem que pare de existir, pensar e de criar contrapontos. O objetivo não é "eliminar a mente" e sim fazer dela parte de todas as soluções, integrando-a de forma consciente ao que ela já está integrada.

Somos frutos também de um outro paradoxo: Aquele que diz que temos uma parte "boa" e outra "ruim", a mente, o ego e o "self". Fragmentos, divisões, fronteiras. Não há paradoxo maior do que acreditar nesta bobagem. Somos totalmente integrados. Somos UM, ÚNICOS e UNOS com o criador, divindade, Eu Sou ou como quiser chamar. Não temos que fazer nenhum ritual, iniciação, sacrifício, novena, para conseguir isso ou qualquer atributo "espiritual", simplesmente porque já somos toda a espiritualidade que um SER pode SER.

Dessa forma, podemos então, inteligentemente trabalhar os paradoxos que se apresentam diariamente jogando com eles, como criadores que somos, aceitando-os sem resistência alguma, encarando os desafios sem aquela ânsia de decifrá-los. Simplesmente passando...

Muitas respostas chegam no fim do curso atual ou até nem chegam. O importante é passar pelo problema, seja com a solução, seja com o desapego simplesmente. O que não pode ser resolvido deve sê-lo, deixado-se de lado. Avaliando-se com atenção o que pode e o que não pode ser deixado. Resolver sem resolver pode ser a melhor forma de resolver. Mais um paradoxo. Um dos melhores na minha opinião.

Alguns vão dizer que trata-se de esquivar-se ou de fugir mesmo. Aprendi nas artes marciais que muitas vezes, fugir é sim a melhor solução. Claro que há casos e casos. E aí é que está a delícia de tudo. Viver num eterno paradoxo, não só lidando e aceitando mas também brincando com ele é a medida.

Neste mundo onde tudo se mede, rotula, classifica e estabelece, brincar, sempre que possível, não se medindo, nem se rotulando, classificando ou estabelecendo o que quer que seja pode ser no mínimo a melhor de todas as saídas. 

Riqueza só existe por causa da pobreza. A coragem por causa do medo. O dia por causa da noite. Tudo é paradoxal e por isso mesmo belíssimo e extasiante. 

A dureza e a beleza de um pênis ereto se contrapõe ao estado flácido e todos eles devem ser bastante apreciados em suas nuances. Quando consigo brincar com esse sobe e desce, entra e sai, vira e desvira, vai e vem, que está em toda a vida, não só no sexo, marco minha presença, me coloco no mundo em que vivo, enfim, EU SOU.

E mais: Posso ir além, quando me vejo deitado quando em pé, flácido enquanto duro, bonito enquanto feio, rico enquanto pobre, claro enquanto escuro e muito mais. A princípio a nível mental, depois nas sensações, na fala e nas ações. Tudo conjuga e nada tem a ver. Não tente ir além agora. Fique no paradoxo. Aprecie a "confusão", o "conflito".

O maior paradoxo do desejo não está em procurar-se sempre outra coisa: está em se procurar a mesma, depois de já se ter encontrado. 

O uso do paradoxo se dá na vida como um todo. Começar a experimentar em coisas simples, como por exemplo, um problema qualquer em casa (como um parafuso emperrado, uma pia entupida ou algo assim) ou no computador (a instalação de um programa ou aplicativo) que esteja difícil de resolver. Faz-se o "efeito pêndulo": Coloca-se uma energia inicial, tenta-se explorar o máximo de possibilidades de resolver e olhar por todos os ângulos. Colocasse uma firme intenção. Não conseguindo, parasse e imediatamente sai-se do problema, olhando outro assunto, espairecendo, brincando, abstraindo. Esse processo deve ser repetido várias vezes e por inúmeros dias, se necessário, até que o problema seja resolvido. Lembrando que existem problemas que não podem ser resolvidos no mesmo nível de consciência que foram criados. Sendo assim, alguns deles devem mesmo é ser esquecidos e deixados de lado.

Essa é uma forma básica, mas muito eficiente de explorar o paradoxo. Que é quando se sai daquilo que mais se quer resolver, sem esquecer totalmente.

Toda vez que crio um contraponto diametralmente oposto ao que desejo, posso ter um conhecimento melhor da situação. É como se estivesse olhando o jogo de fora, por um ângulo mais afastado e isso ajuda decisivamente. Faço uma espécie de métrica, observo o "tamanho" da coisa e isso melhora o sentimento e as sensações que tenho a respeito do problema, trazendo-me uma consciência maior sobre ele.

Só podemos resolver aquilo que percebemos. Quanto mais percebemos mais fácil fica de resolver. Até mesmo pela consciência desenvolvida de que a melhor opção é não resolver. Deixar como está.

A dificuldade está nesta abstração quando se tem o problema apertando o pescoço. Só com a prática dedicada consegue-se chegar em um nível de abstração que cria um paradoxo suficientemente forte para provocar o desequilíbrio e o posterior novo ponto de equilíbrio, diferente dos extremos opostos do paradoxo.