quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O CONTRASTE É ÚTIL.


Quero enfatizar a importância das diferenças de uma maneira geral, na contribuição do aumento da capacidade de compreensão humana, e paralelamente mostrar como a análise por comparação retém ou diminui nossas infinitas possibilidades.

Vivemos em um mundo de dualidade. Dia-noite, frio-calor, alto-baixo, longe-perto e por aí vai. E dentro dessa dualidade existem nuances, níveis e gradações. Sabemos que desde cedo somos ensinados basicamente pelas comparações. Somos quase que "adestrados" em um sistema aonde tudo se compara.

Ter ou não ter. Se estou indo não posso estar voltando. Uma coisa nunca é boa por si só. Depende do momento, da oportunidade, da conveniência de cada um que pode variar muito. Em outras palavras, são comparações.

Só sei que há o dia por saber da noite. Só consigo um certo nível de compreensão do frio porque reconheço o calor. Vejo a vida que os outros levam e comparando com a minha, avalio se é boa ou não, se é isso mesmo que desejo, se estou confortável assim.

Não posso afirmar que há erros. O universo e toda essa arquitetura não erra! O "certo" e o "errado" são meras comparações baseadas em pontos de vista e portanto sujeitos a todo o tipo de distorção.

Quando você deseja aprender algo o que lhe vem a cabeça em primeiro lugar? Procurar em livros? Perguntar a alguém? Pesquisar na internet? Observe qual é o seu movimento. Perceba que quando deseja saber algo age por comparação, na medida em que acredita que comparando, você chega mais depressa ao seu objetivo, ou por ser mais cômodo e também por força do hábito, portanto no "modo automático". 

Você lembra dos seus pais pesquisando algum assunto? Você lembra dos seus professores e amigos? Se deseja saber sobre as fases da lua, por exemplo, senta-se diariamente e a observa, faz anotações e pensa sobre? Ou busca em livros as respostas que deseja?
Mas se o que deseja não estiver em livros? E mais: Se o que deseja é amplamente colocado como impossível?
Não quero dizer que procurar em livros é ruim, não estou rotulando nada, é só um exercício.

Cientistas brilhantes como Thomas Alva Edison, concluíram diversos inventos, após milhares de tentativas baseadas em comparações. Comparavam-se uma tentativa com outra, assim como com o que já existia na época, mesmo que os artefatos existentes nada tivessem a ver com o que se tentava desenvolver. Olhava-se apenas o princípio em que estavam baseados, assim como os resultados obtidos, sua durabilidade e viabilidade econômica.

Disso se supõe que a criatividade humana pode estar um tanto quanto limitada ao universo das comparações, pois quem se dispõe a criar, o faz, de um jeito ou de outro, pelo que outros homens já fizeram. 
E se todo esse contraste, toda essa diversidade que aí está, limita nosso poder de trazer a realidade física inventos realmente inovadores, devido a comparação com o que há de "velho", como chegaremos ao novo? 

Essa diversidade quando usada unicamente para despertar novos desejos, assim como nos inventos, pode estar também nos privando de algo muito maior e inovador? 
Não. Ela cumpre aliás, várias funções! Serve para despertar e regular os desejos, serve de apoio a criatividade, inclusive no aperfeiçoamento do que já existe e também na criação de coisas absolutamente inovadoras. 

Inventos inovadores como o CD de música, foram criados por comparação, ao disco de vinil. Até que ponto ele pode ser considerado inovador? Se o princípio do vinil é o atrito de um cristal num sulco, aonde a vibração resultante gera um impulso elétrico e este é transmitido a um amplificador de sinais e convertido em som. E o CD, que nada mais é que um espelho que reflete a luz do laser que incide sobre ele e dependendo da onde essa luz incide, seu reflexo, ou seja o retorno da luz se modifica em função de onde ela reflete e essa variação é transformada em impulso elétrico e enviada da mesma forma a um amplificador de sinais e convertida em som.

Veja, o princípio de armazenar músicas em um disco, em sequência, lado a lado foi mantido, apesar das diferenças de capacidade de armazenamento, e a flexibilidade ao tocá-las.
Ao compararmos com o SD CARD que armazena (dependendo da capacidade) 5000, 10000 músicas em um pequeno quadrado de plástico de 1,5x1 cm vemos que há uma estúpida evolução. Contudo  ainda baseada no princípio da comparação (armazenagem em forma de listas e tráfego de "bits" - unidade básica de informação na eletrônica digital - igual ao CD).

O que quero dizer com isso? O contraste é útil. Ele trouxe a humanidade até aqui apesar dos inúmeros percalços, como quando nos referimos aos contrastes de hábitos, etnias e opção sexual.

Inovar é uma possibilidade, necessidade e é um caminho inevitável a raça humana, uma vez que da inovação dependerá o seguimento da vida neste planeta, questão de sobrevivência. 
Entretanto, se tudo comparamos, como podemos inovar, baseados apenas no velho? (por mais "novo" que esse velho seja...). Haverá um limite para isso? 

Chega uma hora em que determinados modelos estão esgotados e não servem mais nem para comparação. Assim também é na vida. Se tenta inovar baseando-se no velho, dificilmente encontrará algo novo, uma vez que o novo de fato nasce do vazio, do nada.
Mas como ter idéias novas se estou habituado a olhar em volta e comparar? Existem até jargões que afirmam que aqui nada se cria, tudo se copia. Às vezes a cópia está maquiada, parece ser nova, mas é apenas um desdobramento de algo que já existia.

Algumas tradições consideram o período sabático como um estímulo ao "esvaziamento" e a abertura de "espaço" para o novo. 
A pessoa "larga" tudo e viaja. Sai do ambiente da mesmice e se atira na surpresa, no vácuo da incerteza. Se interna em algum lugar ou some do mapa. Seis meses, um ano e em alguns casos até mais.É uma tentativa, nem sempre bem sucedida, pois depende da sua pré-disposição em largar o "velho"...

Alguns consideram certas melhoras uma inovação. Alguns tratamentos do câncer são tidos como inovação, mas a doença em si ainda permanece e novos tipos aparecem. Será que quando a inovação aparecer de fato, ainda sim existirá algum tipo de câncer pra contar histórias?

Inovação não pode ser cópia e nem melhora do que já existe. Inovação vem do novo, do desconhecido, do nunca visto antes, não deveria guardar resquício ou semelhança com nada que existe.
Se é assim, como criar a partir do nada? Como desejar algo que desconhece? Que nunca viu ninguém usando? 

Reflita como funciona esse mecanismo do desejo: Se você tivesse nascido e crescido em uma pequena cela sem vista para lugar algum, quais seriam seus desejos numa situação como essa? Talvez o unico seria o de sair de lá, caso tivesse ouvido alguma coisa sobre o lado de fora. Isso pelo método mais corriqueiro, pois poderia haver algum tipo de inquietação interna, alguma força que o impelisse pra fora, mesmo sem você ter a noção do que esperar dessa fuga.

Se estivéssemos mais atentos a essa força interna, talvez conseguíssemos criar alguma coisa realmente nova. 
Todavia, simplesmente dizer isso é como se estivesse me eximindo de minha proposta inicial, que é lhe fornecer alguma dica prática. Muitos conhecimentos só são adquiridos pela observação e a prática. Sendo assim, tentaremos usar um artifício para lhe transmitir alguma coisa mais objetiva.

Tente imaginar, por exemplo, um novo meio de transporte. Lembre-se, precisa ser inteiramente novo, portanto não pode haver nenhuma similaridade com que existe, a não ser o fato dele te levar de um lugar para outro. Não pode ser sobre rodas, nem voar e nem tampouco usar os meios fluviais. Como seria? Enquanto pensa, veja como sua mente trabalha. Ela vai em busca do que conhece, do que já foi visto, ela busca lembranças... O mais importante de tudo é que você perceba como sua mente trabalha quando é instigada a criar algo novo. Não critique, apenas OBSERVE!

Continue tentando criar esse novo meio de transporte. Pense de forma relaxada. Faça esboços, desenhos, escreva ou se não quiser nada disso, apenas imagine. Veja que pode haver momentos em que parece que imaginou algo novo, mas ao prestar a atenção verá que guarda algum tipo de similaridade com o que já existe. Não se preocupe, isso não é um campeonato de invenções. Esse jogo serve apenas para lhe mostrar que a mente entra num processo repetitivo de repetir as coisas (perdoe a redundância) e isso vale para tudo na sua vida, só que você já está tão acostumado assim, que nem repara a mesmice que é a nossa limitada capacidade de introduzir algo realmente novo.

Alguns poucos seres que habitam esse planeta passam a vida toda tentando criar algo novo, não só com objetivos profissionais, mas principalmente pelo imenso prazer e alegria que alguns segundos de ausência de lembranças (mente), bem como o contato com o inteiramente novo proporcionam.
Mas se é assim, como seria a vida se tudo fosse inteiramente novo o tempo todo? Você consegue imaginar uma vida em que cada dia lhe trouxesse descobertas, eventos, contatos inteiramente novos?
Acharia chato? Temeria as surpresas? Ficaria inquieto por estar certo que algo novo que você desconhece apareceria de repente na sua frente? Vamos, tente imaginar uma vida assim.

Como você acha que os desejos nasceriam a partir desse pressuposto? Se meus desejos são muito em função do que vejo por aí, como ter desejos baseados no nada, no deserto, no vazio?...
Se todos nós tivéssemos nascido gêmeos univitelinos? Todos igualzinhos. Como seria essa coisa da beleza? Quem seria feio ou bonito? Talvez pela roupa? Mas e o rosto, cabelo, sorriso? Muitos desses detalhes determinam a beleza ou não, mesmo dentro das mais belas roupas.

Pessoas ditas feias por quase todos sempre encontram alguém que as acha, talvez não lindas, mas bonitas o suficiente para andarem ao lado delas e viver uma vida inteira. Por que elas decidem assim? É pela noção que tem de si mesmas. Se não se acham tão bonitas assim, contenta-se com alguém mais feio. Mas se acham o contrário - mesmo não sendo - elas irão atrás de uma pessoa mais bonita. Isso é comparação!

No meio de tantas diferenças, ainda tem muitos que vêem diferente a mesma coisa, o que multiplica as diferenças em escala geométrica. 
E se de fato pudéssemos trazer o novo as nossas vidas a todo o instante? Aonde isso iria chegar? Se é que iria...
Não proponho um descarte compulsivo de tudo que existe em nome de uma renovação desenfreada. Não sei qual seria a medida adequada. Talvez o excesso do "novo" pudesse sufocar, pela ausência da apreciação e da vivência contemplativa. Não teríamos, quem sabe, uma interação adequada com o "velho", uma vez que a renovação fosse constante.

Será que dizendo isso atesto o meu apego ao velho, ao conhecido e as lembranças?
Por que isso me incomoda? 
E por que é tão confortável a maioria?
Por que esse medo desenfreado do desconhecido?
O novo e o velho são tão bons quando cada um está no seu lugar. De outra forma para que serviria todo esse contraste da vida?
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